quinta-feira, 1 de fevereiro de 2007

TRH - Terapia ou terrorismo?

REPOSIÇÃO HORMONAL (T.R.H.) -TERAPIA OU TERRORISMO ?
Hipócrates nasceu no ano 460 a.C. É considerado o pai da medicina. Criou regras para o exercício da medicina que estabelecem respeito pela vida humana, seja a de homens livres, mulheres ou crianças. Todos os médicos ao se formarem repetem o “Juramento de Hipócrates” que diz:

“Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda”.

A medicina não foi criada para trair, como foi estampado em um dos periódicos semanais, a propósito da pesquisa sobre terapia de reposição hormonal.

É necessário compreendermos as mudanças que a mulher passa por ocasião da menopausa, quando há a transição dos anos reprodutivos da mulher para os não reprodutivos.

É o último estágio de um processo biológico no qual os ovários gradualmente produzem níveis mais baixos dos hormônios sexuais, ou seja, estrogênio, progesterona e testosterona.

Esta situação ocorre entre os 45 e 55 anos de vida. Na mulher pós-menopausa, os níveis de estrógeno são cerca de 1/10 da fase pré, sendo produzidos pelas glândulas adrenais e células gordurosas, e os de progesterona são praticamente ausentes.

Os reflexos dessa alteração endócrina determinam alterações ginecológicas e extra ginecológicas. Entre as primeiras estão as disfunções menstruais e alterações da genitália feminina com aparecimento de desconforto, ardor e maior probabilidade de infecções vaginais e/ou sintomas sexuais, como falta de lubrificação, dor ou sangramento durante a relação devido à atrofia genital, determinando problemas pessoais, conjugais e sociais, estes pelas alterações neuropsíquicas, tais como a depressão e a séria perda da auto-estima que as mulheres passam a apresentar. Entre as segundas destacam-se as relacionadas com os sintomas vasomotores que determinam as famosas ondas de calor, alterações da pele e anexos (pelos, cabelos, glândulas sebáceas e sudoríparas) e alterações do metabolismo dos ossos levando à temida osteoporose.

Um dos aspectos importantes a ser analisado é a observação do aumento do número de mortes em mulheres na pós-menopausa por doenças cardio circulatórias.

Por todos esses aspectos a menopausa desafia o médico a estabelecer uma análise critica de cada mulher a fim de poder avaliar, aconselhar e dar suporte terapêutico. Nesse sentido a medicina há cerca de 100 anos procura através de medicamentos diminuir esse sofrimento que a mulher experimenta. Claro que, para tal, protocolos clínicos são desenvolvidos para uma avaliação científica dos diferentes métodos de tratamento.

Até o presente momento inúmeros trabalhos, já publicados, relatando melhoria das alterações acima citadas, seja por meio de observações clínicas, seja por métodos laboratoriais ou,ainda,através de diagnóstico por aparelhos.

Surge agora um trabalho de grande impacto publicado no Journal of the American Medical Association dos EUA (JAMA, vol 288: pág. 321, 2002) que envolveu número elevado de participantes. Foi baseado na administração de placebo (comprimido de trigo) para 8102 mulheres comparada ao uso da associação de estrógeno (obtido de urina de éguas prenhes - Premarin: 0,625mg/dia) com progestágeno (medroxiprogesterona: 2,5mg/dia), para outras 8506 mulheres. Estes dois grupos experimentais, tanto o do placebo quanto o tratado, eram formados por mulheres em sua quase totalidade saudáveis, escolhidas ao acaso no universo de candidatas ao projeto, e não diferiam quanto ao peso, hábito de fumar, idade, pressão arterial, uso de outras medicações, etc. O objetivo inicial era medir ao longo de 8,5 anos o surgimento de efeitos tanto bons quanto indesejáveis. Claro que nem as mulheres, nem os médicos investigadores sabiam quem usava placebo ou medicamento.Portanto, este tipo de intervenção médica obedeceu ao princípio obrigatório de ser “duplamente cego”.

Entretanto, o estudo foi interrompido após 5 anos pois os resultados alcançados , analisados semestralmente por uma comissão de segurança e avaliação de dados, apresentavam diferenças estatisticamente significativas entre os grupos placebo e o tratado.

As medicadas apresentaram maior freqüência de complicações cardíacas, trombose de vasos cerebrais, embolia pulmonar e câncer de mama. Em compensação elas tiveram menos câncer de intestino e menos fraturas ósseas, estas últimas sabidamente comuns após a menopausa. Sucintamente encontrou-se :

NÚMERO DE CASOS POR 10.000 MULHERES POR ANO
 
T.R.H.   
PLACEBO 
DIFERENÇA
Câncer de mama  
38
30
+ 26 %
Doenças cardíacas 
37
30
+ 23 %
Derrames
29
21
+ 38 %
Coágulos sanguíneos
26
13
+ 100 %
Fraturas ósseas
10
15
- 33 %
Câncer do colon e reto
10
16
- 37 %

O risco absoluto para uma mulher isolada usando a reposição hormonal estudada é, ainda, muito pequeno.

Embora ao longo de todo o estudo a mortalidade total tenha sido idêntica nos dois grupos de mulheres, e o número de pessoas afetadas por alguma complicação clínica tenha sido muito pequeno (exemplo: 166 casos de câncer de mama entre as tratadas, contra 124 entre as falso-medicadas) sendo o excesso de risco por 10.000 mulheres observadas por ano de 8 cânceres de mama, 7 doenças cardio circulatórias, 8 casos de tromboembolia pulmonar a mais, com menor risco, evidenciado por 6 casos de câncer intestinal (colon e reto) e 5 casos de fraturas de bacia a menos. Claramente o estudo mostrou que tais efeitos adversos tendem a piorar com o tempo de uso da medicação, o que levou os autores à conclusão de que as participantes não se beneficiaram com a terapia hormonal como os médicos acreditavam até então. Mostraram também que tais efeitos (tanto os ruins, quanto os bons) atingiram indistintamente todos os grupos de mulheres arroladas no estudo.Ou seja, não dependeram de suas idades,do hábito de fumar,da diabetes, da raça, de seu peso, ou uso crônico de outras medicações.

Esta investigação WHI (Women´s Health Initiative) veio confirmar outros estudos populacionais também recentes no exterior, notadamente o HERS (Heart and Estrogen/Progestin Replacement Study) , o PEPI (Postmenopausal Estrogen/Progestin Interventions Trial) e o NHS (Nurses´Health Study). Portanto não foi uma surpresa completa.

Houve, após a publicação na imprensa leiga, um pânico generalizado entre as mulheres usuárias de reposição hormonal, indiscriminadamente. Isto significa que independente do esquema que estão utilizando, seus receios intensificaram-se com justa razão.

Não se observou um tratamento ético na mídia e, sim, uma corrida para manchetes mais sensacionalistas.

É preciso entender que especialistas estão sempre analisando tais trabalhos e, na certeza de poderem atuar de maneira humana e científica, escolhem as melhores opções para suas pacientes, atendendo ao princípio hipocrático do “primo non nocere” que significa “em primeiro lugar, não ferir ou machucar”.

Por isso, é necessário avaliar, conversar e discutir com cada paciente quais opções hormonais ou não, pode ela utilizar.

No Brasil, principalmente nos últimos anos, a associação hormonal do trabalho citado, estrógenos extraídos de éguas prenhes, não é a mais usada.

O chamado hormônio humano, 17 beta estradiol, é largamente receitado, associado a progesterona ou não, dependendo do caso.

As vias de administração também são variadas. Pode-se empregar medicação tópica, através de geléias ou adesivos, contendo hormônios em seu interior, com uma película que permite, em contato com a pele - a liberação da medicação em quantidades menores e mais uniformes. Implantes de produtos na pele.

Hormônios derivados de plantas, entre os quais destacam-se os fito estrógenos, particularmente a Isoflavona, estão sendo ainda investigados e já utilizados, propiciando, até o presente momento, efeitos colaterais de menor importância.Porém, a administração é via oral e a sua absorção varia muito de organismo para organismo.

Também cabe citar que, mesmo em pacientes com câncer de mama e de ovário, após estudos chamados histoquímicos que avaliam a possibilidade de prescrição ou não de hormônios, o uso de estrógenos tem sido utilizado, sem evidências científicas de aumento do número de recidivas, metástases ou outros tipos de cânceres no grupo estudado.

Enfim, cabe ao médico, com sua formação humanista, dar à sua paciente explicações detalhadas aplicáveis em seu caso, em relação a melhor opção de Terapia ( e não Terrorismo) de Reposição Hormonal.

Prof. Dr. Ayrton de Andréa Filho
Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Chefe do Serviço de Oncologia Ginecológica da Faculdade de Medicina de Sorocaba – PUCSP

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